Realismo

LITERATURAMOVIMENTOS LITERÁRIOS

George Lucas Casagrande

7/15/20252 min read

Na segunda metade do século XIX, a aristocracia europeia já havia desaparecido da cena histórica, enquanto a burguesia consolidava plenamente seu poder. O triunfo dessa classe torna-se inquestionável, assim como sua evolução dentro do capitalismo e sua adesão a uma visão de mundo conservadora. Nesse contexto, algumas teorias passam a orientar o pensamento intelectual: o determinismo de Taine, segundo o qual a arte resulta da combinação entre raça, meio e momento; o positivismo de Augusto Comte, que afirma ser a explicação do homem e do mundo dependente das leis naturais, acessíveis pela observação, pela experiência e pela comparação; e o evolucionismo de Charles Darwin, que apresenta a seleção natural como mecanismo fundamental da transformação das espécies.

A personagem realista, por sua vez, não se distingue por virtudes extraordinárias nem por faculdades excepcionais: ela encarna a própria contradição da natureza humana. Como a ciência passa a ser vista como o único meio legítimo de conhecimento, não há espaço, nesse momento da história da arte, para especulações metafísicas. A realidade subordina-se às leis orgânicas; mundo e homem ocupam o mesmo plano e obedecem às mesmas finalidades. Assim, fatos psicológicos e sociais são compreendidos como manifestações materiais, o que faz com que as personagens realistas sigam uma lógica estrita de causa e efeito. Dessa forma, não se encontram figuras originais ou surpreendentes, mas sim perfis explicáveis científica e logicamente, tal como suas ações, determinadas por fatores atávicos e sociais.

Mesmo com o afastamento da metafísica, busca-se ainda uma verdade que ultrapasse os fatos, bem como valores morais e estéticos capazes de conferir à literatura um caráter de intervenção ética. A descrição minuciosa do real, tão valorizada pelos escritores, é atravessada pela intenção moralizadora de revelar os vícios da sociedade. O período marca a vitória da concepção de mundo própria das ciências naturais e do pensamento racional-tecnológico sobre o idealismo e a tradição romântica. Por consequência, a ficção passa a se organizar segundo critérios de probabilidade científica: a verdade psicológica das personagens baseia-se no princípio da causalidade, e a criação dos ambientes segue o pressuposto de que tudo ocorre por condições e motivos claros, sendo necessária, portanto, a atenção aos pormenores, à maneira de um cientista que observa seu objeto.

O empenho em compreender a sociedade e desnudar seus conflitos confere a essa literatura um caráter analítico, descrente e desmistificador. Enquanto o romantismo idealizava comportamentos por meio de personagens estereotipadas e pouco densas, a investigação psicológica realista impede qualquer idealização. Do mesmo modo, a retórica inflamável e emocional cede lugar à contenção expressiva e à desconfiança da eloquência. Madame Bovary, de Flaubert (1821-1880), torna-se a expressão máxima do realismo europeu, ainda que a desilusão da personagem-título tenha encontrado recepção calorosa justamente entre o público burguês, alvo da crítica mordaz do autor. No Brasil, Machado de Assis (1839-1908) e Aluísio Azevedo figuram como os principais representantes da ficção realista na segunda metade do século XIX.