"Projeto de vida": um museu de grandes novidades
"É legítimo tentar promover uma formação humana mais sensível e consciente para os estudantes. No entanto, não posso deixar de notar certo paradoxo: aquilo que hoje se apresenta como uma inovação, com nomes técnicos e siglas sofisticadas, soa, em muitos aspectos, como uma reedição de ideias antigas."
ARTIGOS
Desde o ano de 2017, com o advento do famigerado novo ensino médio, as escolas ganharam uma nova disciplina chamada “Projeto de Vida”. O nome é bem sugestivo, pois trata-se de um componente curricular que tem como objetivo o desenvolvimento integral do estudante: fomentar o autoconhecimento, a autonomia e a construção consciente de metas pessoais, assim como acadêmicas e profissionais. Desse modo, é uma disciplina que se dedica a questões emocionais profundas, reconhecendo que não há projeto possível sem que o sujeito compreenda suas emoções, seus valores e seus vínculos. É nesse contexto que as competências socioemocionais da abordagem CASEL, autoconhecimento, autorregulação, habilidades sociais, empatia e tomada de decisões responsáveis, ganham relevância para um caminho formativo que vai além dos limites das disciplinas tradicionais.
O Projeto de Vida também dialoga com os princípios da logoterapia de Viktor Frankl, psiquiatra austríaco que, ao sobreviver aos horrores dos campos de concentração nazistas, elaborou uma teoria centrada na busca de sentido como motivação essencial da existência: a logoterapia, também conhecida como análise existencial ou terapia do sentido da vida. Sua experiência mostra que, mesmo diante do sofrimento extremo, é possível encontrar razões para continuar, o que ressoa profundamente com os fundamentos desta disciplina.
“Quando uma pessoa não consegue encontrar um sentido profundo do seu significado, se distrai com o prazer”. Viktor Frankl
Atualmente, estou fazendo uma especialização em educação socioemocional e, sem dúvida, considero o tema instigante. É legítimo tentar promover uma formação humana mais sensível e consciente para os estudantes. No entanto, não posso deixar de notar certo paradoxo: aquilo que hoje se apresenta como uma inovação, com nomes técnicos e siglas sofisticadas, soa, em muitos aspectos, como uma reedição de ideias antigas. A valorização das virtudes, a busca pela harmonia interior, o exercício da empatia, tudo isso já estava nas lições de Sócrates, nos diálogos de Platão, nas máximas estoicas e foi amplamente retomado pela tradição cristã ao longo da Idade Média. Muitos dos conceitos que hoje ganham ares de descoberta, embalados pela retórica pós-moderna, já atravessam milênios de reflexão filosófica e espiritual. Soma-se a isso o fato de que termos como "inteligência emocional" foram absorvidos pelo vocabulário dos coachs e convertidos, não raramente, em chavões motivacionais vazios em busca de sucesso material. Há, portanto, um certo ceticismo da minha parte em relação a esse entusiasmo recente: por que tantos tratam a educação socioemocional como uma inovação surpreendente, quando, na verdade, ela apenas resgata, ainda que sob nova roupagem, temas que há séculos atravessam o pensamento humano?
Apesar das minhas ressalvas, é inegável que a disciplina Projeto de Vida pode cumprir um papel relevante ao tentar responder às angústias e incertezas das novas gerações. Em um mundo acelerado, hiperconectado e marcado por cobranças constantes, o desenvolvimento do equilíbrio emocional torna-se não apenas desejável, mas essencial para a saúde mental e para a construção de uma vida mais significativa. A escola, nesse sentido, pode ser um espaço de acolhimento e reflexão. Diante de um fracasso escolar ou de um conflito familiar, o estudante pode encontrar no Projeto de Vida uma oportunidade de verbalizar suas dores, mapear seus sentimentos e elaborar alternativas com o apoio dos educadores. Ao tratar de metas, valores e propósito, a disciplina pode funcionar como uma espécie de pausa consciente, um respiro lúcido, no turbilhão que marca a vida de muitos adolescentes e adultos no século XXI.
Vivemos uma época marcada por uma crise existencial assustadora, por uma sensação generalizada de vazio e por uma busca incessante por sentido, algo que, em outros tempos, parecia inimaginável, talvez por força das tradições, da fé ou dos vínculos comunitários. Hoje, essas referências se diluem, e a escola, em meio ao caos, é chamada a assumir um papel que talvez nunca tenha sido seu. No fim das contas, o Projeto de Vida será mais uma responsabilidade atribuída à escola, essa mesma instituição que, muitas vezes, não consegue garantir sequer o domínio das competências básicas de leitura, escrita e raciocínio lógico. Espera-se que ela cure angústias, ofereça sentido, forme cidadãos conscientes e ainda prepare para o mercado de trabalho. É uma tarefa grandiosa demais para uma estrutura tantas vezes frágil e precarizada, não é verdade?
Ou seja, o Projeto de Vida é ambicioso, e ainda é cedo para saber se será capaz de enfrentar o niilismo do nosso tempo e, de fato, vingar nas escolas. Sinceramente, receio que se transforme em mais uma tarefa burocrática, na qual fingimos escutar os alunos, fingimos dialogar sobre sentidos da vida, fingimos cuidar, mas apenas para cumprir metas e preencher relatório (algo bem comum na educação pública de hoje). Será mesmo que, desta vez, vai ser diferente? Vamos ver no que isso vai dar.

