O velho oeste mais novo do que nunca

"O termo western refere-se, de modo geral, a narrativas ambientadas no Velho Oeste dos Estados Unidos, majoritariamente no século XIX , período de expansão territorial, conflitos e intensas transformações sociais naquele país, cujos efeitos reverberam até os dias atuais."

ARTIGOS

George Lucas Casagrande

Quando passei a gostar de cinema, logo me apaixonei pelo gênero western. Sempre me encantaram o design de produção dos filmes, a construção minuciosa das cidades, os figurinos. Criações de uma riqueza artística muito grande, com impressionante atenção aos detalhes. Além disso, sempre percebi que por trás daquele cenário aparentemente rústico, os filmes guardavam uma complexidade de temas e valores bastante interessantes, o épico sempre me encantou nas narrativas. Aos poucos, comecei a me aprofundar nos filmes, e percebi que se tratava de uma arte peculiar, repleta de história e simbolismos.

O termo western refere-se, de modo geral, a narrativas ambientadas no Velho Oeste dos Estados Unidos, majoritariamente no século XIX, período de expansão territorial, conflitos e intensas transformações sociais naquele país. Naquela época, o oeste americano foi povoado por meio de diversas políticas que incentivaram a ocupação das terras mediante trabalho e cultivo. É nesse cenário que homens, mulheres e famílias se dirigiram àquela região árida em busca de novas oportunidades. A corrida do ouro e o avanço das ferrovias arrastaram multidões dispostas a enfrentar todo tipo de dureza e insalubridade. É a partir desse cenário, de esperança, violência e confronto com as nações indígenas, que nasceu o famoso gênero cinematográfico, que soube captar e reinventar uma gama de temas próprios daquele contexto tão peculiar. E que temas o cinema western deixou para seus fãs e espectadores!

Com o passar dos anos na história do cinema, o western revelou inúmeras vertentes, uma iconografia clássica, capaz de incorporar, inclusive, tons de humor e ironia. Se, por um lado, temos filmes mais ufanistas, que glorificam a bravura dos homens, por outro surgem narrativas que satirizam ou questionam os próprios mitos daquela região. Há espaço para tudo: desde o herói redentor, o homem que assume responsabilidades com coragem e determinação, até personagens cruéis ou moralmente ambíguos. Paixões avassaladoras, mulheres rudes, prostitutas, comerciantes, todas essas figuras compõem o imaginário rico e contraditório dos filmes do gênero.

As temáticas do western são amplas. Vão desde conflitos brutais entre colonizadores e indígenas até relatos de sobrevivência em regiões inóspitas. Bandoleiros sem lei aterrorizam pequenas vilas. A fome e o calor sufocante dos desertos surgem com frequência, além da constante tensão nas fronteiras, onde diferentes culturas entram em choque. As contradições da formação geográfica americana vêm à tona, revelando feridas presentes até os dias atuais.

Em meio a toda essa variedade, o western permite revisitar a história por diferentes ângulos. O foco está sempre na formação, nos conflitos e nas contradições dos Estados Unidos. A conquista violenta dos territórios, a Guerra Civil e os embates com os povos indígenas ganham destaque. O avanço das ferrovias e da industrialização também. Tudo isso aparece nas telas em narrativas épicas e até intimistas. Filmes clássicos e modernos mostram que o western não se resume a um bando de homens trocando tiros: é uma meditação espiritual sobre os caminhos trilhados por um país ainda em construção.

E apesar de todas as transformações do cinema, os temas do western jamais perderam seu vigor e foram se reinventando ao longo dos anos. Recentemente, o audacioso O Ataque dos Cães (2021) exemplifica uma algo que questiona a iconografia clássica do gênero: uma abordagem woke que desconstrói o arquétipo do herói viril e apresenta algo diferente de tudo o que já vimos no western. Surgiu também o chamado neowestern, em que a estética do oeste - as paisagens áridas, a solidão dos personagens e a moralidade ambígua - é transposta para cenários contemporâneos e temas atuais. Estamos falando de obras como Onde os Fracos Não Têm Vez (2007) e A Qualquer Custo (2016), exemplos marcantes de filmes mais recentes. E, claro, não posso deixar de falar das séries recentes que me conquistaram: Yellowstone e Godless. São produções que mostram o quanto o western ainda é potente.

Entre essas novas abordagens, uma produção de 2024 me marcou de forma especial. Estou falando de Horizon: An American Saga, dirigido e idealizado por Kevin Costner. Trata-se de um projeto grandioso que, infelizmente, passou quase despercebido pelo grande público e pelas premiações. Ambicioso em sua concepção, Horizon pretende reconstruir, por meio de uma narrativa ampla e dividida em vários capítulos, os múltiplos aspectos da colonização do oeste americano, dando voz não apenas aos heróis consagrados, mas também aos anônimos que moldaram aquela terra em meio a tantas adversidades.

Costner, que já havia se consagrado como um renovador do western em Dança com Lobos, propõe aqui uma visão complexa, revisitando a história dos Estados Unidos a partir de múltiplos pontos de vista. Trata-se de uma tentativa corajosa de reencantar o mito americano sem mascarar suas cicatrizes. São personagens vivendo sob diferentes perspectivas que, ao longo da trama, se entrelaçam para formar um elo comum. A bela trilha sonora acompanha essa saga mítica e amplifica seus sentidos, elevando as emoções e aprofundando a experiência do espectador.

A saga ainda não acabou, e o próximo capítulo do épico deve ser lançado no Brasil em 2025, mas Horizon tem tudo para ser lembrado como um marco cinematográfico. Uma obra monumental que honra tanto a grandiosidade quanto a tragédia da epopeia americana. O confronto entre o homem e a vastidão do mundo, entre o sonho e a dureza da realidade, tão explorado nos filmes do gênero, ganha vigor mais uma vez neste filme recente. Através de Horizon fica mais uma vez difícil imaginar que um gênero tão rico e multifacetado possa algum dia perder seu vigor.

O cinema é realmente uma arte que respira a reinvenção. Cada transformação do cinema é uma nova chance de experimentar e expandir o que se entende por contar histórias, e talvez seja por isso que a sétima arte não cansa de me impressionar. Como disse uma vez Orson Welles:

          “O cinema não tem fronteiras nem limites. É um fluxo constante de sonho.”

Voltaremos ao velho oeste quando? Ficamos na expectativa pelas próximas produções, para que possamos continuar a embarcar nesses vastos caminhos perigosos.

John Wayne em "Rastros de Ódio".

Cena de "Horizon: Uma Saga Americana"