“O Quarto de Jack” à luz de Viktor Frankl
"Para Frankl, o amor é uma das forças mais poderosas que existe, capaz de sustentar o espírito mesmo diante do inominável. Nos guetos e prisões, ele testemunhou homens e mulheres que, apesar da fome, do frio e da brutalidade alemã, mantinham íntegra a dignidade da alma."
ARTIGOS
George Lucas Casagrande
Enfrentar o drama que nos é imposto pela vida talvez seja um dos maiores desafios da existência humana. Em diversos momentos de nossa jornada, somos atravessados por dores tão intensas e sofrimentos tão absurdos que nos fazem questionar se há, de fato, algum sentido em continuar. Por que continuar quando tudo parece ruir? Foi diante de um dos maiores e mais conhecidos horrores da história, os campos de concentração nazistas, que o psiquiatra austríaco Viktor Frankl, sobrevivente do Holocausto, encontrou uma resposta: o amor. Para Frankl, o amor é uma das forças mais poderosas que existe, capaz de sustentar o espírito mesmo diante do inominável. Nos guetos e prisões, ele testemunhou homens e mulheres que, apesar da fome, do frio e da brutalidade alemã, mantinham íntegra a dignidade da alma. Eram pessoas que tinham por quem viver, por quem esperar, por quem resistir. Ter uma “vida com sentido” fazia toda a diferença naquele cenário brutal.
Embora muitos não tenham sobrevivido, aqueles que Frankl observou carregavam no olhar algo que nem mesmo a barbárie conseguiu apagar: a convicção de que a vida ainda valia a pena.
"Um pensamento me transpassou: pela primeira vez em minha vida enxerguei a verdade tal como fora cantada por tantos poetas, proclamada como verdade derradeira por tantos pensadores. A verdade de que o amor é o derradeiro e mais alto objetivo a que o homem pode aspirar. Então captei o sentido do maior segredo que a poesia humana e o pensamento humano têm a transmitir: a salvação do homem é através do amor e no amor."
Após sobreviver ao Holocausto, Viktor Frankl concluiu que o ser humano é capaz de suportar qualquer dor, exceto aquilo que ele chamou de ausência de sentido. Quando a vida carece de significado, o sofrimento se torna insuportável e o indivíduo mergulha num vazio existencial que o consome por inteiro. É por lembrar disso que me vem à mente um filme que, à semelhança de A Vida é Bela, estabelece um profundo diálogo com a obra de Frankl: O Quarto de Jack.
O longa, baseado em uma história real, conta a história de Joy, sequestrada aos dezessete anos e mantida em cativeiro por anos dentro de um pequeno quarto. Nesse espaço de clausura e violência, ela dá à luz Jack, fruto dos abusos cometidos por seu sequestrador. Ainda assim, Joy encontra na maternidade o sentido que a mantém viva. Ao invés de escolher o aborto, ela transforma Jack em sua razão de existir. E para protegê-lo, constrói um universo simbólico, um mundo lúdico que o mantém afastado da realidade cruel que os cerca. Essa estratégia remete diretamente à atitude de Guido, em A Vida é Bela, ao reinventar a realidade do campo de concentração para o pequeno Giosué, blindando-o da brutalidade nazista. Ambas as narrativas mostram que, mesmo no horror, o amor pode reinventar o mundo.
Encontrar o verdadeiro sentido da vida a partir do sofrimento, essa é, talvez, a maior lição contida tanto em O Quarto de Jack quanto em A Vida é Bela. Sem o amor incondicional por seus filhos, sem esse propósito que os transcende, Joy e Guido dificilmente teriam suportado os cenários de horror que enfrentaram. Viktor Frankl afirmava: “Se não está em suas mãos mudar uma situação que te causa dor, sempre poderá escolher a atitude com que encara esse sofrimento”. E é justamente essa escolha que transforma tudo. Joy e Jack, ao final, conseguem escapar do cativeiro, e o menino, em sua ingenuidade, “nasce” simbolicamente para o mundo real. Diferentemente de A Vida é Bela, o drama não termina em tragédia, mas também não evita as dores da readaptação. Ainda assim, mãe e filho alcançam um recomeço, se é que, depois de tanto trauma, podemos chamar isso de um final feliz.
O fato é que Viktor Frankl, O Quarto de Jack e A Vida é Bela têm muito a nos ensinar sobre o que realmente importa. Em meio à cultura pós-moderna, marcada pela pressa e pela superficialidade, somos facilmente seduzidos por prazeres efêmeros que oferecem apenas uma ilusão de plenitude. Quando a vida se esvazia de sentido, abre-se espaço para angústias artificiais, neuroses e banalidades. As questões mais profundas da existência tornam-se secundárias, e esquecemos que é justamente diante da dor que se revela nossa capacidade de transcender. O sofrimento, embora inevitável, nunca precisa ser absoluto, pois ele pode até encolher diante de algo maior, como o amor, a esperança ou uma missão que vá além de nós mesmos. O sentido pode surgir no instante mais inesperado, mesmo quando tudo parece perdido. Afinal, como lembra Frankl:
“Tudo pode ser tirado de uma pessoa, exceto uma coisa: a liberdade de escolher sua atitude em qualquer circunstância da vida.”

