O futebol é a maior invenção do homem?
"Há quem diga, até com um certo ar esnobe, que o futebol é apenas um instrumento de alienação das massas. Talvez esqueçam que, num país marcado por tanta negligência educacional, muitas vezes as coisas menos importantes tomam o lugar das mais urgentes."
ARTIGOS
George Lucas Casagrande
"O que define o futebol é a paixão. Quando você vê pessoas felizes ao seu redor, não há nada mais bonito." - Luis Henrique, atual técnico do PSG.
Minha relação com o futebol começou muito cedo. Em 1998, aos oito anos de idade, lembro da euforia ao ver o Corinthians conquistar o Campeonato Brasileiro. Na mesma época, a escola em que eu dava meus primeiros passos como estudante organizou uma sessão de fotos com os alunos usando as camisas de seus times, em um evento que celebrava a vinda da Copa do Mundo da França. Uma das minhas fotos favoritas da infância vem desse dia. Além disso, passava horas a fio jogando bola, sem perceber o tempo passar – literalmente sumindo e deixando minha mãe de cabelos em pé. Tudo isso está profundamente ligado às minhas memórias mais alegres e afetivas, e hoje vejo que o futebol entrou na minha vida de forma espontânea e natural, ocupando um lugar permanente entre as minhas paixões.
Como corinthiano, vivi momentos inesquecíveis acompanhando meu time desde aquele título de 1998. Vi o Corinthians conquistar o mundo em 2000, erguer taças importantes e alcançar o auge da glória em 2012, ao vencer a Libertadores e o Mundial. Na minha memória, está registrada a tensão de cada jogo, de cada final e de cada momento importante. Além disso, até hoje guardo com carinho uma verdadeira parafernália de pôsteres, recortes de jornais e reportagens sobre títulos e jogos marcantes do meu time do coração. Essa tradição continua, porque nada substitui o valor de um arquivo impresso, o toque da folha, o cheiro do papel guardado como uma relíquia — uma forma concreta de eternizar o que o futebol me fez sentir naquele momento. Mas meu vínculo com o futebol não se resume ao clube. Sempre acompanhei a seleção brasileira com entusiasmo e, em 2002, tive o privilégio de assistir ao pentacampeonato — uma alegria que muitos jovens ainda não experimentaram. Que menino não se imaginou um dia vestindo a amarelinha? Durante anos, também alimentei o sonho de ser um jogador de futebol. Foi uma bobagem, mas um sonho que morou em mim até os meus treze anos de idade, e isso diz muito sobre o lugar simbólico do futebol em nossa formação.
Hoje, nessa sofrida vida adulta, de pequenos prazeres e muitos boletos e faturas, não deixei de gostar do esporte, que a cada ano me parece mais engmático e transcedental. Alias, eu simplesmente não consigo deixar de gostar - mesmo que eu queira. Ele continua sendo parte do meu cotidiano e do meu repertório afetivo – recentemente, por exemplo, me encontrei em extase com o título do Corinthians depois de longos 6 anos de espera. Aos 33 anos de idade, passei a semana sorridente e bem humorado por uma coisa que, para muitos, pode não ter importância.
"O sujeito pode mudar de tudo: de cara, de casa, de família, de namorada, religião, de Deus... Mas, tem uma coisa que o sujeito não pode mudar, Benjamín. Não se pode trocar de Paixão". Essa frase, retirada do filme "O Segredo dos Seus Olhos", é sobre o Racing Club, da Argentina.
Há quem diga, até com um certo ar esnobe, que o futebol é apenas um instrumento de alienação das massas. Talvez esqueçam que, num país marcado por tanta negligência educacional, muitas vezes as coisas menos importantes tomam o lugar das mais urgentes (e se as torcidas organizadas cobrassem os políticos da mesma forma que os jogadores de seus clubes, por exemplo?). Essa é uma crítica válida, assim como quando falamos do carnaval, pois é verdade que, em certa medida, o futebol pode ser usado como cortina de fumaça para mascarar nossos problemas. Contudo, reduzir o futebol a isso é ignorar sua complexidade e seu poder simbólico.
Esse tipo de argumento desconsidera o valor profundo que o futebol tem como força coletiva e expressão popular. O futebol é catarse e pertencimento coletivo. E se falamos em catarse, o futebol é também, assim como a epopéia, é uma forma de ficção: uma ordem artificial aplicada sobre o caos do mundo, uma representação ilusória que, embora substitua a vida, nos ajuda também a compreendê-la um pouco mais. Piero Trellini, em seu Anatomia do Sarriá: Brasil x Itália, 1982, nos oferece uma reflexão essencial:
"O futebol é uma metáfora que simplifica os conceitos que estruturam nossa existência: justiça, razão, instinto, compaixão, astúcia, gratidão, moralidade. São abstrações que se tornam palpáveis ao longo de uma partida, revelando uma ordem profunda que regula a vida e, ao tornar temas como a glória, a coragem e a hostilidade tão épicos, nos permite vivenciá-los de forma única."
Tantas palavras para entrelaçar o futebol com a nossa própria existência. Mas acrescento mais uma: esperança. Vitórias, derrotas... no futebol e na vida, algo que todo ser humano experimenta. Mas, acima de tudo, alimentamos o sonho de que o dia seguinte será melhor. É no futebol que encontramos a força para seguir em frente, assim como na nossa própria vida. Oras, então não é o futebol a maior lição de nossa existência? Não é ele que nos mostra que, por mais que a queda seja dura, sempre há um novo jogo a se jogar?



