"Euphoria" celebra uma juventude que já não existe mais

"De fato, Euphoria chama a atenção: sua estética é pulsante, com suas luzes néon e uma câmera frenética que tenta capturar uma adolescência movida pelo caos e pelo brilho, com certo charme. E mais: o sucesso entre o público adolescente também se explica pelo fato de ser uma série com muitas cenas de nudez e sexo."

ARTIGOS

George Lucas Casagrande

Estamos em 2025, e Euphoria continua sendo um verdadeiro fenômeno mundial. Pra quem não conhece, trata-se de uma série que aborda o universo dos jovens no mundo moderno. Desde que surgiu na HBO, atraiu a atenção de muitos deles, inclusive. Eu só assisti agora, e embora a faixa etária indicada esteja acima dos 18 anos, a série continua alcançando um grande público adolescente (a terceira temporada já está prestes a ser lançada). Quando abordei o assunto em sala de aula, muitos dos meus alunos afirmaram já ter assistido à série e, não só isso, comentaram sobre ela com certo frenesi. De fato, Euphoria chama a atenção: sua estética é pulsante, com suas luzes néon e uma câmera frenética que tenta capturar uma adolescência movida pelo caos e pelo brilho, com certo charme. E mais: o sucesso entre o público adolescente também se explica pelo fato de ser uma série com muitas cenas de nudez e sexo.

Mas, antes de nos aprofundarmos na série, é preciso compreender algo essencial: a juventude celebrada ali é a juventude do ensino médio norte-americano. Ao mesmo tempo, a trama busca abordar temas comuns a toda uma geração, a chamada geração Z, nascida, aproximadamente, depois dos anos 2000. Essa geração surge de um modo um tanto peculiar na tela, vivendo uma vida pulsante, mergulhada em diversos tipos de drogas e muito sexo. Não é curioso? Veremos adiante.

Embora a história seja centralizada no drama da protagonista Rue, que enfrenta uma dura batalha contra o vício em drogas, aqui, quero direcionar a atenção para as características coletivas da série. A série, em partes, se dedica a examinar um mundo de tabus e inseguranças moldado pela tecnologia das redes. No colégio americano Grant School, seus personagens transitam por discussões sobre gênero, relacionamentos e saúde mental, sempre sob o olhar da era digital. Tudo isso regado a diálogos rápidos, marca da geração Z, fofocas digitais e muita pornografia. No geral, Euphoria mostra adolescentes em busca de identidade, e há uma certa iconografia de tipos juvenis, como a garota que adota uma postura exibicionista por conta de sua insegurança, ou o jovem popular, de beleza padrão, que carrega traumas por culpa de sua família hipócrita. No fundo, não se pode negar que a série toca em temas humanos e universais, principalmente na segunda temporada. É provocativa e busca levantar discussões, a partir de uma pegada fortemente freudiana.

A arte carrega o privilégio da ficção, e por isso mesmo, Euphoria não deve ser interpretada ao pé da letra, já que sua narrativa se descola da realidade dos jovens de hoje. Embora toque em temas contemporâneos, como apontei, o universo adolescente retratado ali é frenético, sexualizado, movido por pura adrenalina, mas fora das telas, porém, a realidade é bem diferente. Estatísticas recentes, tanto no Reino Unido quanto nos Estados Unidos e no Brasil, apontam para uma juventude cada vez mais isolada. Ou seja: os jovens nessa faixa-etária não estão transando tanto quanto se imagina, e nem usando tantas drogas. Embalados pela música de Rolling Stones, Led Zeppelin e Pink Floyd, os jovens das décadas de 60 e 70, sem dúvida, levavam uma vida muito mais intensa do que a vida que os jovens levam hoje. Não há coerência entre uma vida frenética e o uso excessivo de celulares, redes sociais e video-games. É simplesmente água e óleo.

E é justamente aí que Euphoria escorrega: a geração Z, imersa na hiperconectividade e na virtualização das relações, vive menos o corpo do que se imagina. Portanto, parece que Euphoria é apenas um feitiche de adultos sobre uma vida adolescente que já não existe mais. Além disso, nem seria preciso recorrer a tantas estatísticas para percebermos as marcas da geração Z. Eu, que convivo diariamente com adolescentes, vejo um retrato parecido: jovens brilhantes e cheios de potencial, mas que demonstram cada vez menos interesse por relações reais, e parecem mais alienados aos estímulos de todas as parafernalhas do celular. Longe de defender uma adolescência repleta de excessos, como a série mostra, mas é preciso reconhecer que a tecnologização extrema e suas consequências representam um dos grandes desafios do nosso tempo, talvez o maior deles.

Euphoria, no fim, diz mais sobre o fetiche adulto pela juventude do que sobre os próprios jovens. É uma série visualmente arrebatadora, intensa em muitos aspectos, e certamente não deve ser ignorada. Ainda assim, pouco acrescenta a quem busca nela uma chave para compreender o jovem no mundo moderno. É ligar a TV e simplesmente assistir, sem a pretensão de recorrer a sociologismos. É ficção, pura ficção.

Personagens da série "Euphoria"(HBO)