"Entre os muros da escola": o que o filme nos mostra sobre a educação contemporânea
"O enredo de Entre os Muros da Escola gira em torno do ano letivo de uma turma de ensino médio em uma escola da periferia de Paris, onde o professor François Marin tenta ensinar língua francesa a alunos em um ambiente terrivelmente difícil."
ARTIGOS
George Lucas Casagrande
Embora existam inúmeros filmes sobre educação que adotam uma perspectiva idealizada, compreendo que por vezes necessária, poucos conseguem romper com essa visão de forma tão contundente quanto Entre os Muros da Escola (Entre les murs, 2008). Dirigido por Laurent Cantet, o filme é um longa-metragem francês que mergulha nas tensões do ambiente escolar com extremo realismo. Baseado no livro homônimo de François Bégaudeau, que também interpreta o professor protagonista, o filme flerta com o documentário ao explorar, com crueza e sensibilidade, os dilemas cotidianos de uma escola pública nos arredores de Paris.
Ao assistir Escritores da Liberdade (Freedom Writers, 2007), somos conduzidos por uma jornada de superação em que os alunos, marcados por brigas de gangues, pela violência e pela exclusão em uma escola nos EUA, ocupam o centro da narrativa. A professora, vivida por Hilary Swank, enfrenta a realidade e tenta, com muito esforço, fazer a diferença. Embora envolvente e comovente, esse olhar prioriza a transformação do aluno como centro principal da história. Já em Entre os Muros da Escola, o foco narrativo, na minha visão, se inclina para o outro lado da sala de aula: os olhos da câmera, quase sempre inquietos, parecem mais interessados nos professores e em seus dilemas diários.
O enredo de Entre os Muros da Escola gira em torno do ano letivo de uma turma de ensino médio em uma escola da periferia de Paris, onde o professor François Marin tenta ensinar língua francesa a alunos em um ambiente terrivelmente difícil. Há momentos em que Entre os Muros da Escola se aproxima do documentário, tamanha é a espontaneidade com que os acontecimentos se desenrolam. A câmera se mantém próxima, quase que investigativa, revelando um corpo docente cansado, professores que percorrem os corredores com passos lentos e semblantes carregados pela tensão do dia a dia. Nos intervalos entre as aulas, os diálogos entre eles revelam mais do que cansaço: mostram uma luta silenciosa contra um sistema que exige muito e oferece pouco. Ao mesmo tempo, a escola é um microcosmo multicultural em ebulição, onde diferentes origens, línguas, religiões e valores convivem em atrito constante, uma demonstração do que é a França nos dias atuais. Não há conciliação fácil. O multiculturalismo, a globalização e a crise de pertencimento que vive a Europa, longe de ser celebrado de forma harmônica, aparece como uma fonte de tensão, que permeia as relações e confunde o ambiente escolar.
Se Entre os Muros da Escola nos oferece um retrato realista de uma escola com professores exaustos e alunos desmotivados, não é difícil traçar um paralelo com a realidade das escolas públicas de São Paulo. Nesses espaços, a educação se dá em um ambiente onde a falta de recursos, infraestrutura e apoio psicológico cria um cenário de desamparo. O professor, constantemente sobrecarregado, tenta ensinar em meio a uma infinidade de problemas que vão além da sala de aula, enquanto os alunos, muitas vezes, não encontram razões para acreditar que a escola seja um caminho para o futuro.
O caso de Souleymane evidencia como a escola, tanto no filme quanto fora dele, tende a tratar os conflitos do cotidiano de maneira imediatista, rasa e descontextualizada. No início, vemos um estudante com dificuldades claras de adaptação: esquece materiais, desrespeita colegas, ignora regras, coleciona advertências. Sua imagem diante dos professores é a de um aluno-problema, mas pouco, ou quase nada, é possível fazer em relação ao seu comportamento. E essa falta de solução não é exclusividade francesa. Nada muito diferente do que ocorre nas escolas de São Paulo, principalmente aquelas que estão em regiões de extrema vulnerabilidade, onde o sistema educacional não apenas falha em oferecer apoio real aos estudantes, como também parece incapaz de propor soluções efetivas para os impasses que se acumulam ano após ano. Em suma, um sistema onde todos saem perdendo: o professor, o aluno e o aprendizado.
Entre os Muros da Escola não é apenas um filme, é uma exposição quase que perfeita sobre o que significa educar no século XXI. É um filme singular e provocador, que nos leva a uma reflexão profunda sobre o papel da educação no mundo contemporâneo. Ele nos desafia a questionar: o que pode ser feito? Quais são as possibilidades reais para que todas essas tensões sejam resolvidas de forma construtiva e pacífica? Mais do que respostas, o filme nos lança perguntas e, talvez, essa seja sua maior potência.


