Dom Pedro I: uma biografia para o nosso tempo
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ARTIGOS
5/2/20254 min read
O escritor Paulo Rezutti é dono de uma série biografias sobre personagens da história do Brasil imperial, consolidando-se como um dos historiadores mais populares da atualidade no assunto. Não é por menos, pois além de uma biografia sobre Domitila de Castro, ele publicou uma biografia sobre a Imperatriz Leopoldina, outra sobre D. Pedro I (livro o qual vamos falar agora) e mais recentemente uma tão esperada biografia de Dom Pedro II. São edições riquíssimas em detalhes, cheias de fotografias e objetos poucos visitados, como cartas pessoais e documentos diversos, além de relatos documentados de personagens envolvidos naqueles eventos históricos que marcaram a independência do Brasil.
Além de um retrato da vida pessoal de D. Pedro, do homem político que simboliza a independência do Brasil, o historiador aborda muito do que se passava no ocidente naquele século. O palácio de Queluz, por exemplo, onde D. Pedro passou os primeiros anos da infância, foi propriedade dos Bragança após o fim do período da conhecida União Ibérica, quando Portugal e Espanha se separaram. A partir dai passamos a perceber o clima em que D. Pedro veio a vida e os desafios que já o cercavam desde muito cedo. E lá em Queluz, o garoto Pedro deve ter se assustado ao ver sua avó enlouquecer, a também muito conhecida por nós rainha Maria. Mas ela enlouqueceria junto com o mundo naquele momento, pois após a Revolução Francesa, o período napoleônico redesenharia o ocidente geograficamente, e Portugal seria fortemente afeado. Esses eventos seriam fundamentais para a posterior independência do Brasil
E foi assim que D. João tomaria as rédeas dos assuntos da corte, e D. Pedro, um menino, começaria a viver suas primeiras aventuras na vida, tendo que cruzar o Atlântico muito cedo. A estratégia de D. João seria certeira, e a corte rumava ao Brasil em 1808, começando ali uma intriga entre portugueses e brasileiros que seria crucial para a separação definitiva de ambos os países. Uma testemunha ocular, Euzébio Gomes, anotou em seu diário a respeito da partida da corte para o Brasil, ilustrando como aquele fatídico dia foi caótico, típico daqueles tempos que exalavam mudança:
"Embarcou a família Real no cais Belém (...) entre lágrimas e suspiros gerais. Que grande confusão houve no cais de Belém! Todos querendo embarcar, o cais amontoado de caixas, caixotes, baús, malas e trinta mil coisas, que muitas ficaram no cais tendo seus donos embarxado, outras foram para bordo e seus donos não puderam ir. Que desordem e confusão!"
Mas passando um pouco os tempos turbulentos de Portugal em sua partida, a educação que D. Pedro teve no Brasil foi a de um verdadeiro nobre. Aprendendo a ler, escrever, e falar outras línguas, mesclando seus estudos com a educação moral religiosa. Homem de ação, se dedicava a atividades físicas, algo que pode ter vindo de seu primeiro mentor José monteiro da rocha. No Brasil, Pedro cresceria e se desenvolveria como homem de fato. Aqui, o futuro imperador se adaptou muito bem e abraçou o país como se fosse sua terra natal. No calor do Rio de Janeiro, a pulsante cidade que estava em ascensão pela abertura dos Portos, Pedro levaria uma adolescência aventureira, e uma cena comum seria vê-lo nas tavernas da cidade na companhia de seu amigo beberrão, Chalaça.
O casamento com a austríaca Leopoldina, que se tornaria outra figura importante da historiografia brasileira, foi importante para o amadurecimento de D. Pedro. Uma relação conturbada, cheia de adultérios da parte de D. Pedro, ao menos faria ambos intensificarem suas paixões pela música, além de juntos darem ao mundo diversos filhos, entre eles Pedro II. E nesse quesito, D. Pedro não pode ser criticado, pois era um pai presente, se preocupando com a educação dos filhos até o ultimo momento de sua vida:
"(...) Minha querida Maria, parece-me que tu não tens cuidado muito de estudares, e enquanto Mamam não me mandar dizer que tu te aplicas como no meu tempo eu não deixarei de te mostrar sempre que tenha ocasião o meu desprazer."
Foi com a esposa Leopoldina que D. Pedro também aprendeu muito como homem político, e depois da Revolução no Porto, em que D. João teve que voltar a Portugal, ambos assumiriam o destino do Brasil como dois dos personagens principais. D. Pedro tinha simpatia pelas ideias liberais de direitos humanos, constitucionalismo e divisão de poderes. Era fato que as revoluções do século XIV não agitavam a Europa apenas politicamente, mas traziam uma onda de novas ideias em que D. Pedro também seria simpático, ensaiando seu lado liberal quando emitiu um decreto que
"....fundamentava as bases da liberdade individual das "pessoas livres". A partir de então, ninguém poderia ser preso sem emissão de uma ordem escrita por um juíz ou magistrado, a não ser em caso de flagrante delito. O decreto também especificava a impossibilidade de prisões sem culpa formada e exigia que o processo fosse resolvido em 48 horas, período em que os réus e testemunhas seriam confrontados e o acusado gozaria de amplos meio de defesa. A partir desse ato, estava proibido prender em segredo e encarcerar os detentos em "masmorras estreitas, escuras ou infectas. Proibindo-se ainda "o uso de correntes, algemas, grilhões e outros ferros inventados para martirizar homens ainda não julgados."
Era esse D. Pedro I, um estadista que, mesmo com todos os defeitos e arroubos autoritários, tinha a liberdade como a sua essência. Foi com esse espírito liberal e anseio heroico, que ele viria posteriormente gritar a independência do Brasil. Foi o ponto alto de uma vida que foi uma verdadeira odisseia. Aristóteles dizia, ao definir o conceito de tragédia, que o herói trágico não deve ser um homem inteiramente bom nem completamente mau. Em vez disso, ele deve visar o bem, mas contribuir para a sua própria destruição por causa de alguma fraqueza moral - a falha trágica. E quem é esse homem se não é nosso D. Pedro I? Ninguém está livre dos vícios e pecados da alma, e D. Pedro I muito menos. Ele era um filho devotado, um pai amoroso e um irmão presente, um homem dotado de inúmeras qualidades. Essa análise íntima da figura de D. Pedro é trazida pelo texto veloz e narrativa heróica perfeita para nossos tempos, em que os brasileiros perderam completamente o amor pelo país e pouco sabem sobre os grandes feit os de sua própria terra. Essa biografia é uma síntese completa e nem um pouco superficial do libertador e da história do Brasil. Uma leitura essencial para aqueles que querem ficar mais íntimos da historiografia nacional.