Barroco
LITERATURAMOVIMENTOS LITERÁRIOS
George Lucas Casagrande
7/15/20252 min read
A denominação Barroco, atribuída à arte que se desenvolveu do final do século XVI até meados do século XVIII, surgiu somente posteriormente. O termo apareceu no século seguinte, empregado pelos classicistas para caracterizar manifestações artísticas consideradas, à época, extravagantes e confusas. Em contraste com o Renascimento, cuja estética se define pela linearidade, pelos contornos nítidos e incisivos e pela organização clara das formas, o Barroco destaca-se pela interpenetração de volumes, pelo forte jogo de luz e sombra e pela predominância do efeito pictórico. Essa diferença pode ser observada ao se comparar a precisão de Dürer, renascentista, à expressividade luminosa de Rembrandt, representante do Barroco. Nas obras renascentistas, predominam os planos horizontais bem definidos; já na pintura barroca, a profundidade e a ilusão de distância tornam-se elementos essenciais. A comparação entre Leonardo da Vinci e Tintoretto ilustra bem esse contraste.
Outro ponto de distinção reside na organização espacial. No Renascimento, predominam equilíbrio e estabilidade, construídos pela combinação de linhas horizontais e verticais que delimitam o espaço e mantêm o olhar dentro da composição. No Barroco, ao contrário, as diagonais dinamizam o quadro e sugerem a continuidade do espaço para além da tela. A diferença entre claridade absoluta e claridade relativa também é marcante: enquanto a arte renascentista utiliza todos os elementos para definir com precisão a estrutura das formas, o Barroco subordina a iluminação ao efeito dramático, valorizando cada parte conforme sua contribuição para o tema representado. A tensão entre essas tendências, ora racionais, ora espirituais; ora sensoriais, ora místicas, constitui uma das marcas fundamentais do estilo barroco.
Ao romper com a rigidez da linearidade clássica, a arte barroca cria múltiplas possibilidades de leitura. A profundidade, o dinamismo e a variedade de focos visuais convidam o observador a envolver-se não apenas intelectualmente, mas também sensorialmente, ampliando sua experiência estética e emocional diante da obra.
Além das diferenças visuais e estéticas presentes nas artes plásticas, o Barroco manifestou-se com igual intensidade na literatura, marcada pelo gosto pelo contraste e por um profundo conflito interior. No campo retórico, essa tensão se expressa pelas antíteses, a oposição entre termos como “dor” e “glória”, “prazer” e “pena” ou “gosto” e “dor”, amplamente exploradas nos poemas de Gregório de Matos (1633–1696). O paradoxo, outra figura central do período, reforça o esforço barroco de conciliar elementos contraditórios em um mesmo pensamento, revelando a tentativa do poeta de captar o absoluto dentro da instabilidade do mundo sensível. A própria estrutura dos versos, muitas vezes correlativa, como se vê no paralelismo entre “horas” e “instantes” ou entre “cuidados” e “pensamentos”, reforça a necessidade de estabelecer vínculos entre aspectos opostos da experiência humana. Soma-se a isso o caráter charadístico da composição barroca, que desafia o leitor a decifrar sentidos implícitos e a transitar entre múltiplos níveis de interpretação. Dessa construção verbal ambígua e lúdica emergem os grandes temas literários do Barroco: a consciência da passagem do tempo, o desengano, a teatralidade da vida e a permanente oscilação entre fé e dúvida, marcas profundas de uma sensibilidade que buscava, simultaneamente, o espiritual e o terreno.
