A literatura é a melhor fonte para compreender as ilusões e as mazelas de uma época
"Não é isso, afinal, o que resta quando a vida já não promete grandes encantos e heroísmos? Romantismo e Realismo, embora distintos em seus modos de ver o mundo, nascem da mesma necessidade. A necessidade de expressar as inquietações de determinada época."
ARTIGOS
George Lucas Casagrande
Quando nos debruçamos sobre uma grande obra literária, é fundamental compreender que nenhuma estética literária surge do nada; ela é moldada pelos acontecimentos históricos que a cercam, refletindo as angústias, os sonhos e os conflitos de seu tempo. No amanhecer da era moderna, momento em que revoluções políticas e sociais sacudiam o Ocidente, coube à literatura o papel de espelho e intérprete do espírito daquela época. A Revolução Francesa, com sua promessa de liberdade, igualdade e fraternidade, acendeu esperanças que, pouco tempo depois, se veriam frustradas por instabilidades políticas e retrocessos sociais. Ainda ecoavam nos ouvidos da Europa os ideais da Declaração dos Direitos do Homem, enquanto o continente se tornava um verdadeiro barril de pólvora. O século XIX, com suas revoluções e contrarrevoluções, foi um palco onde se encenava um drama político sem precedentes, especialmente em 1848, quando a chamada Primavera dos Povos incendiou o velho continente. Como poderia a arte permanecer indiferente diante de tamanho fervor histórico?
É nesse cenário convulsionado, entre levantes e repressões, que vemos florescer, nas artes plásticas, expressões profundamente emocionais como A Liberdade Guiando o Povo, de Eugène Delacroix, e Episódio da Revolução Belga, de Gustaf Wappers, pinturas que eternizam o anseio por justiça e liberdade. Na arte escrita, esse mesmo ímpeto transformou-se em desencanto e melancolia, materializando-se numa estética saudosista e introspectiva. Desvalorizava-se o presente, pintado com as cores opacas da desilusão, enquanto se enaltecia um passado idealizado, um passado onde a infância perdida, os sonhos interrompidos e as paixões arrebatadoras davam o caldo. O Romantismo, com sua sensibilidade exacerbada, dividia o mundo em heróis e vilões: o herói romântico era nobre, íntegro e trágico, sempre em luta contra forças que o esmagavam sem corrompê-lo. Essa visão do mundo, por vezes até ingênua, mas profundamente humana, pulsa nas palavras de Werther, de Goethe, quando exclama:
“É uma coisa bastante uniforme a espécie humana. Boa parte dela passa os dias trabalhando para viver, e o pouquinho de tempo livre que lhe resta pesa-lhe tanto que busca todos os meios possíveis para livrar-se dele. Oh destino dos homens!”
Que saída resta para os espíritos românticos, senão o sonho ou a fuga? O desacordo entre literatura e realidade, longe de se resolver, se intensificaria com o avanço da burguesia e o fortalecimento das classes médias. A frustração diante das promessas não cumpridas da Primavera dos Povos se converteu, mais uma vez, em matéria literária. Porém, agora, sob uma nova ótica. O romantismo, com seus delírios sublimes e heróis incorruptíveis, dava lugar a uma literatura mais fria, analítica e desconfiada. O homem já não era visto como um ser excepcional em conflito com o mundo, mas como produto e vítima de uma sociedade corrompida pela aparência e pelo interesse. O Realismo nasce assim: não como celebração, mas como denúncia. Balzac, em O Pai Goriot, e Flaubert, em Madame Bovary, revelam personagens envoltos em hipocrisia, ambição e frustração. Já não há pureza nem nobreza a idealizar, e sim seres comuns tentando sobreviver num teatro de máscaras. Como disse Flaubert:
“Talvez a morte tenha mais segredos para nos revelar do que a vida.”
Não é isso, afinal, o que resta quando a vida já não promete grandes encantos e heroísmos? Romantismo e Realismo, embora distintos em seus modos de ver o mundo, nascem da mesma necessidade. A necessidade de expressar as inquietações de determinada época. Não importa se uma obra vai dissertar sobre as dores da alma ou desnudar as misérias do cotidiano, pois em sua essência, qualquer tema é matéria-prima para os grandes gênios da literatura. Eles, com sensibilidade e técnica, transformam toda a turbulência de seu tempo em arte.
A literatura é um vasto campo de signos, alusões e referências, e decifrá-los é um passo essencial para entender o espírito de qualquer época. Estudar os movimentos literários é essencial para compreender os caminhos da cultura e do pensamento, mas, acima de tudo, debruçar nas obras é o melhor caminho para compreender a verdadeira alma de uma época, pois como lembra Alfred North Whitehead:
“É na literatura que o ponto de vista concreto da humanidade ganha sua expressão. Desse modo, é a ela, especialmente em suas formas mais concretas, que devemos nos voltar para descobrir os pensamentos mais profundos de determinada geração”.

